Faz diferença ser diagnosticado na infância?

Faz diferença ser diagnosticado na infância?

Ser uma criança atípica sem saber disso é bastante doloroso! Ter a possibilidade de se auto compreender apenas na fase adulta, gera uma série de marcas. Eu sei! Você deve estar achando que é mais um texto sobre alguém que quer culpar os outros pelas dificuldades que enfrentou e que na verdade eu deveria ter feito uma limonada do limão que a vida me deu. Mas, não é bem assim, porque uma criança atípica normalmente nem consegue saber o que é o limão, a limonada ou a vida.

É assim, toda criança nasce e passa a pertencer a um lugar, logo passa ter um melhor amigo(a), um animal preferido, um personagem etc. Para uma criança atípica nada encaixa, parece que todos são legos oficiais, enquanto você é uma peça de plástico mal recortada de camelô, simplesmente você não encaixa. No esporte você é desengonçado, perde a bola e seu time ‘toma o gol’, na aula você tem dificuldade ou está na frente da turma, mas segue a onda para não parecer diferente. Na rodinha da piada, mesmo sem entender você ri e isso gera um mal-estar porque você pode rir “de mais” ou “de menos”.

Bom, basicamente é sempre sentir que está sobrando! Então, na fase adulta você recebe um diagnóstico e passa a entender o que estava acontecendo, que não era “falta de vontade” ou que você era uma criança ruim, vivendo com a cabeça na lua. Mas, que seu funcionamento é realmente outro! Por isso, faz uma diferença enorme ter a possibilidade de receber um diagnóstico na infância.

Óbvio que não haverá isenção total de dores, elas são inerentes à vida. Mas, o diagnóstico pode proporcionar o suporte necessário para uma vida mais coordenada e organizada. Digo isso não apenas para crianças com déficits, mas em especial crianças com super habilidades, elas também sofrem.

Se fosse possível traçar um paralelo entre uma criança típica e outra atípica, digo: “se fosse possível”, porque não é, cada vida é vivida de forma singular. Mas, assumindo que fosse possível, eu diria que a criança que recebe o diagnóstico corre o risco de ser estigmatizada, já a criança sem diagnóstico é estigmatizada (incapaz, desatenta, malcriada, opositora); a criança que recebe o diagnóstico corre o risco de ser marginalizada, já a criança sem diagnóstico será marginalizada (bullying, piadinhas, apelidos); a criança que recebe o diagnóstico corre o risco de ter baixa autoestima, já a criança sem diagnóstico se forma em baixa autoestima (culpa, medo, sensação de nunca ser capaz).

Por essas e outras que sempre que eu encontro alguém que tem receio do diagnóstico do filho eu digo que não fazer é cometer uma violência contra a criança. Ela tem direito de ser acompanhada e receber o suporte necessário. Negar isso, é negar o direito de se conhecer, desenvolver e tornar-se capaz.

Nós, como sociedade, é que precisamos compreender que um diagnóstico não é uma desculpa, mas, um direcionamento que ajuda a criança a tornar-se um adulto autônomo, sensível e dedicado aos dons que recebeu e que podem ser úteis para todos nós.

Por fim, o diagnóstico possibilita entender que o “encaixe”, tão difícil em determinadas situações, não é culpa do mesmo, mas uma necessária abertura e esforço de todos. 

 

Por Leonardo Veríssimo. Pastor há quase 15 anos na Igreja Presbiteriana do Brasil, é casado com Rhaissa e pai da Laura e do Benicio. Graduado em Psicologia, especializou-se em Neuropsicologia, autismo e AH/SD. Recebeu seu diagnóstico de TEA no processo de busca do diagnóstico de seu filho e, atualmente, tem atuado na conscientização e formação de igrejas acolhedoras/inclusivas!



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