Bem-aventurados os que choram porque serão consolados (Mt 5.5)
Frieza, apatia e indiferença são manifestações dos que se permitiram sujar pelo mal e, tendo corrompido a natureza humana, tornaram-se infelizes — desumanos. Os seres humanos choram suas próprias mazelas, sentem na pele a dor do outro, lamentam e ficam indignados diante da crueldade e da
injustiça. Os que choram são felizes por conseguirem preservar a sua natureza, sua vocação de ser gente. Por isso, chorar é uma virtude natural. À semelhança das demais bem-aventuranças, chorar é também
um estado de alma, um modo de ser do discípulo de Jesus Cristo.
Pedro chorou amargamente, ao perceber sua própria crueldade, quando negou a Jesus Cristo (Lc 22.62). Sua negação foi uma manifestação da indiferença desumana, mas suas lágrimas foram um sinal de que dentro dele existia um ser humano capaz de lamentar copiosamente sua própria desventura.
Choro como terapia da confissão
Chorar por chorar não indica felicidade, pode ser apenas uma reação fisiológica, uma descarga emocional. Esse choro é sinal de que ainda existe um ser humano com vida. Só os mortos não choram mais. O choro natural é um bem que todos possuímos. Mas não é sobre esse tipo de choro que Jesus está falando.
No Sermão do Monte, chorar é mais do que uma função biológica ou uma reação emocional. É um estado de alma, uma virtude permanente. No caso dos discípulos, eles choram e são felizes, porque o choro vem como sinal da humanidade interior redimida. O discípulo reconhece suas limitações, se arrepende de seus pecados e os confessa. E, na terapia da confissão, encontra a alegria de ser amado e acolhido pelo perdão de Deus. Torna-se livre — livre para amar e compadecer-se.
Choro como sensibilidade de espírito
O encontro com Deus põe o discípulo em sintonia com todas as dimensões da vida. Ele é feliz porque a sua desventura consigo mesmo o faz repousar na esperança da consolação de Deus. Por exemplo, os que acolheram o Messias foram afligidos e perseguidos ao mesmo tempo em que usufruíam da prometida consolação de Israel (Lc 2.25). Entre eles brotava este choro: uma sensibilidade de espírito que acolhia o Menino pobre da manjedoura, que era ao mesmo tempo o Emanuel, Deus conosco.
Que maravilha do Evangelho! Deus se faz presente na figura de uma criança. Quem recebe uma criança recebe a Jesus. Quem tem sensibilidade suficiente alimenta o faminto, acolhe o marginalizado, agasalha o despido e, assim, usufrui da felicidade de acolher o próprio Jesus Cristo (Mt 25.31-46).
A alegria dos que choram
O choro que gera alegria é o choro capaz de fertilizar o terreno da alma para acolher o Consolador. Quem precisa de um Consolador senão homens e mulheres sob conflitos, dores e lágrimas?
Ser discípulo é viver nas mesmas condições dos profetas, que, movidos pelo Espírito e por amarem a vida, foram injuriados e perseguidos por infelizes desumanos (Mt 5.12). Aquele que, entre os pobres, sofre as mesmas aflições e dores dos pobres, precisa de um consolador.
Os que choram são felizes porque têm, pelo Espírito, a sensibilidade de se colocar e gemer no lugar do outro, especialmente o fraco, aflito e necessitado. Os que choram como virtude usufruem da habitação do Consolador e são, sem dúvida, felizes por desfrutarem da sublime e preciosa presença de Deus — de onde vem a Alegria que jamais entristece.
Por Carlos Queiroz
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