Boas Práticas na Abordagem de Rua
A ajuda ao próximo é uma forma de expressão da fé cristã, é também uma característica marcante daqueles para quem fé e obras são inseparáveis. Ao longo dos anos, ações em favor dos necessitados têm sido marcadas pelo auxílio emergencial. São ações extremamente necessárias, mas que não levam a soluções para situações de vulnerabilidade social cujas causas são estruturais e, portanto, comuns, sempre presentes no dia-a-dia. Em outras palavras, se o bom samaritano tivesse parado
Samily e crianças de sua comunidade
para socorrer o homem vítima de salteadores cuidando dos seus ferimentos de maneira superficial, entregando-lhe dez reais e depois seguisse o seu caminho, isso seria assistencialismo. Sabemos que a narrativa do Mestre foi bem diferente. Ele fala, na verdade, da restauração da dignidade dessa vítima de violência com ações para além do primeiro encontro na estrada de Jerusalém para Jericó.
A exclusão social e a pobreza sempre foram parte das inquietações dos cristãos através dos séculos. Foi para lutar contra a triste realidade social de crianças e adolescentes em situação de rua em Recife, PE, que uma jovem se levantou com ideias para mudar a forma como os ministérios de ajuda trabalhavam naquela cidade. Ela começou assim, uma pequena revolução ao incentivar uma nova maneira de pensar e exercer compaixão e misericórdia. A educadora Samily Marques de Lira, 32 anos, percebeu o isolamento em que os trabalhos de rua das igrejas evangélicas estavam e teve uma ideia ousada: conectar todos que desenvolviam ações de assistência às populações de rua e oferecer uma formação que potencializasse a prática desses ministérios.
Boas práticas na prática
O primeiro passo foi conhecer de perto quem estava desenvolvendo algum trabalho de assistência nas ruas do Recife. Depois de mapear, foram realizadas reuniões que focavam as características e potencial de cada ministério. Uma integração dos grupos foi provocada e foi identificada a necessidade de desenvolver uma formação integrada que foi realizada através da Rede Mãos Que Ajudam.1 Cerca de 40 pessoas, representando 16 ministérios, participaram da capacitação baseada em três pilares: o político, o social e o teológico. Este conteúdo foi dividido em quatro módulos. Na área política, foram convidados representantes da Escola de Conselhos de Pernambuco, que agrega profissionais que atuam no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. A capacitação na área social ficou por conta de representantes do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) da prefeitura do Recife. E na área teológica foram convidados representantes da Jocum e do Pão da Vida. Após a formação, já era possível perceber alguns frutos: uma sensibilidade maior pela criança e adolescente como população com o mais alto nível de vulnerabilidade social; um posicionamento dos obreiros não mais como voluntários (algo muito amplo), mas como educadores sociais; e a percepção da necessidade de um trabalho mais efetivo. “Abrimos o diálogo entre os ministérios e entre estes e o poder público. O objetivo era o fim do isolamento e o começo do trabalho em rede com empoderamento e protagonismo da igreja na cidade”, conta Samily. Para a educadora, as igrejas precisam colocar-se como lugar permanente de acolhimento, aberto à população socialmente vulnerável, sobretudo às crianças e adolescentes, e tornarem-se referência na ajuda ao próximo: “Precisamos nos capacitar para abrir as portas dos nossos templos e fazer justiça aos pobres e aos necessitados conforme a Bíblia nos ordena: ‘Abre a boca a favor do mudo, pelo direito de todos os que se acham desamparados’ (Pv 31.8-9)”.
Nota 1. A Rede Mãos que Ajudam reúne organizações sociais cristãs da cidade de Recife que atuam com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Revista Mãos Dadas Edição 27 – Boas Práticas