Trabalhando mais do que vinte anos com famílias em situação de risco, violência e vulnerabilidade, sei que não há outro plano além do plano divino de família para a proteção, segurança e desenvolvimento do ser, e especialmente do ser criança. Isso dito, a família tem muitas fragilidades e limitações. Nossa Constituição Federal, reconhece isso e no seu Artigo 227 afirmando que a responsabilidade da família na proteção integral da criança é em parceria com a sociedade e o Estado. A família não pode estar só, nem operar de forma isolada e desconexo ao apoio, e a igreja pode ser um desses apoios fundamentais.
No livro de Dr Bruce D. Perry, O Menino Criado como Cão, o autor, um psiquiatra infantil, conta histórias reais de crianças traumatizadas que nos ensinam sobre perda, amor e cura. O livro aborda casos que ele atendeu capítulo por capítulo dos mais extremos exemplos de sofrimento de crianças e adolescentes. Mas é o resumo do livro que mais me marcou. Ele apresenta, na opinião dele, o fator mais significante de mudança social do último século, e seu impacto no desenvolvimento saudável da criança: A redução da convivência em família extensa e comunidade local. Ele questiona se o impacto do divórcio é tão grave em comparação ao isolamento de famílias de uma convivência de comunidade. Ele escreve como Norte Americano, e certamente no Brasil e na cultura Latina de modo geral, ainda temos uma certa dependência maior do apoio dos avós para que os pais pudessem dar conta da vida moderna, mas necessitamos valorizar este convívio não como uma substituição apenas, mas como um presente na formação dos nossos filhos.
Não somente pelo excesso de trabalho e cansaço, os pais não dão conta da formação dos filhos. Quantos de nós sabemos que nosso conselho paternal não é o mais valorizado, e alguém de fora falando a mesma coisa tem mais efeito! Mas maior do que só isso, a complexidade do desenvolvimento da criança e todos os aspectos necessita de múltiplas habilidades e múltiplos tipos de vínculo e atenção. As gerações oferecem esta diversidade, os avós podem oferecer um carinho extremamente compreensível, e tios e tias da criança possam oferecer outros olhares e formas de olhar o mundo enquanto menos preocupados “se estão fazendo um bom trabalho”, e os primos podem oferecer um círculo maior e menos disputado de amizade.
Como seres, temos uma necessidade intrínseca de se pertencer. Os torcedores de clubes de futebol, grupos de rua, e múltiplas salas virtuais, entre muitos outros, manifestam nossa mentalidade de rebanho (herd mentality) e o desejo de pertencer e ser aceito. A terceirização da formação dos filhos pela escola, pode oferecer algum apoio, mas no extremo pode levar à uma alienação parental não desejada, e a figura do professor ou professora tipicamente é transitório e a criança possa se desestabilizar com as constantes mudanças de ano.
A família extensa pode oferecer um constante, sempre se adaptando, referência para a criança. Como todo organismo vivo, a família se adequa e algumas pessoas se tornam mais significantes em distintos momentos da vida. Quero dar um exemplo simples da minha infância. Eu tive uma vovó materna rica e uma vovó paterna mais humilde. Enquanto criança pequena, consegui ter a falta de vergonha de anunciar para minha mãe que amava mais minha avó materna do que a avó paterna. Depois de tudo ela me dava muitos presentes e eu gostava muito disso! Com o passar do tempo acabei construindo um relacionamento maior com minha avó paterna. Ela tinha uma habilidade de uma escuta carinhosa e acolhedora, que marcou profundamente minha adolescência, e me trouxe uma estabilidade enorme como ser, especialmente numa época da minha vida quando meus pais foram ausentes e tiveram dificuldades conjugais.
Eu diria que recebi o melhor dos dois mundos! Muitos presentes enquanto pequeno e uma pessoa muito especial durante minha adolescência. Creio que ambas foram uma demonstração do amor de Deus para minha vida. Que privilégio tenho. Desejo esta mesma infância para todas as crianças. As famílias precisam do nosso apoio, e a família se manifesta de muitas formas. Que o Senhor nos dê graça para ser parceiros no papel fundamental de criação e formação das nossas crianças.
Patrick Reason é gestor e fundador da Associação Beneficente Encontro com Deus de Curitiba, formado em teologia e engenharia de produção.