Reproduzimos um trecho do livro “Educar na curiosidade – a criança como protagonista da sua educação” escrito por Catherine L’Ecuyer. O livro é destinado a pais e professores. Recupera ideias sobre a educação que acolhe, aceita a criança como tal como ela é e cria oportunidades para que ela se desenvolva como protagonista de sua educação.
Quero brincar!
Por Catherine L’Ecuyer
“Quero brincar!”, grita Alex na sala de espera do pediatra, jogando as revistas no chão enquanto pula de uma cadeira para outra. Sua mãe corre até a recepção para pedir que troquem o canal da televisão suspensa na parede da sala de espera. É possível ver que Alex, de cinco anos, não se empolga com A Abelha Maia. Trocam os desenhos animados por uns ‘muito, mais muito animados’ japoneses com rostos tétricos e nos quais aparecem os protagonistas lutando. ‘Isso não é nada – pensa a mãe -, são apenas desenhos…’ Alex relaxa, hipnotizado pela tela.
O desesperado “Motive-me, por favor!” de Elisa e o frenético “Quero brincar!” de Alex ressoam nos ouvidos de todos os pais e educadores como um grito de protesto da natureza diante de algo que foi imposto e que vai contra o que é necessário. É que a natureza nunca perdoa… Mas o que impusemos a essas crianças que vai contra a natureza delas? Para responder a essa pergunta, teríamos que nos perguntar também: Como é a natureza de uma criança? Como aprende? Qual é o seu motor? Como se motiva? De que precisa?
“Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Mas poucos se lembram disso”, dizia o Pequeno Príncipe. Vamos tentar. Vamos retroceder um momento. Retroceder na vida de Elisa, a estudante que pede educadamente, mas com desespero, à sua professora do ensino médio que a motive “por favor”. Retroceder na vida de Alex, um menino que se entedia com o silêncio e o ritmo de Maia, de Willy e de Flip. Essa aluna de dezesseis anos e esse menino de cinco… ambos foram um dia bebês de seis meses, crianças pequenas de um, de dois anos de idade. Por acaso Elisa pediu à sua mãe que a motivasse “por favor” para aprender a falar, para engatinhar na direção das tomadas, para ficar em pé e puxar a toalha da mesa, para brincar, para dar seus primeiros passos? Por acaso Alex precisava de algo além do barulho do vento na grama, da descoberta da sua própria sombra, algo mais que um simples conto da sua mãe para estar fascinado?
As crianças pequenas não precisam ser motivadas a priori. Vejamos. O Dia de Reis*. Com o que brincam mais os nossos filhos dos seis aos vinte e quatro meses? Engatinham, arrastando o laço do pacote e brincando encantados com o papel da embalagem. O brinquedo fica para trás. Correm atrás da bexiga que tínhamos colocado no guidão da bicicleta que trouxeram os Reis, gritando: “Os Reis beberam a água!”. Ficam admirados observando a queda lenta da bexiga no chão. Pela manhã, quando os levamos apressadamente ao colégio, fixam o olhar em um objeto insignificante, porém brilhante, no caminho da escola.
_ Espere, mamãe! Olhe isso!
_ Corra, que não temos tempo! _ respondemos.
Se prestarmos bastante atenção, constataremos que as crianças pequenas possuem um instinto de curiosidade realmente admirável e surpreendente diante das coisas pequenas, os detalhes que fazem parte do cotidiano. O barulho que faz o papel da embalagem de um presente, a espuma do banho que fica colada nos seus dedinhos, as cócegas que fazem as patinhas de uma formiga na palma da mão, o brilho de um objeto encontrado na rua. Esse instinto de curiosidade da criança é o que a leva a descobrir o mundo. É a motivação interna da criança, sua estimulação precoce natural. As pequenas coisas motivam a criança a aprender, a satisfazer a sua curiosidade, a ser autônoma para entender os mecanismos naturais dos objetos que a rodeiam por meio da sua experiência com o cotidiano, motu proprio. Apenas temos que acompanhar a criança, proporcionando-lhe um ambiente favorável para o descobrimento.
Quando apresentamos à criança pequena estímulos externos de forma que estes superam sua curiosidade, anulamos a sua capacidade de motivar-se por si mesma. Substituir o que move a pessoa é anular sua vontade. Por fim, a criança se acomoda e não é capaz de encantar-se nem de espantar-se com nada. Seu desejo é bloqueado. Em alguns casos, sua dependência de superestimulação fará com que procure sensações cada vez mais fortes, com as quais também se acostumará, fato que a levará a uma situação de apatia permanente, de falta de desejo, de tédio.
Como podemos conseguir que uma criança, que logo será um adolescente, faça as coisas com encanto, fique quieta observando com calma as coisas ao seu redor, pense antes de agir, tenha interesse em conhecer o que a cerca, esteja motivada para aprender?
É possível que a ideia fundamental esteja resumida em uma frase escrita há mais de sete séculos por Tomás de Aquino: “A admiração é o desejo de conhecimento”. Eureca! É necessário deixar fluir e proteger a admiração! Se a admiração é o desejo de conhecimento, entendemos que Elisa, com apenas seis meses, pode, sem que ninguém a motive ou a empurre exteriormente, ter a força interna e o empenho necessários para pegar o brinquedo que está quase fora do seu alcance porque ele a encanta. Se a admiração é o desejo de conhecimento, entendemos como Elisa, com dois anos, pode encontrar a motivação interna para pronunciar palavras novas. Entendemos por que Alex encontra animação suficiente apenas ao procurar o rosto correspondente à voz que escuta na rua, ao concentrar-se a admirar um caracol que sobe pelo vidro, ao encontrar a relação que existe entre o movimento do seu corpo e a sombra que este projeta sobre o chão enquanto caminha de costas para o sol. Todos esses fenômenos que escapam à sua compreensão os atraem… Deixemos que os especialistas em neurociência, em linguística infantil e em psicologia evolucionista pesquisem as dificuldades relacionadas aos mecanismos de aprendizagem da linguagem e de outros âmbitos cognitivos. Isso não vem ao caso aqui porque não estamos contemplando o mecanismo, e sim a origem. Interessa-nos o que move Elisa a aprender; queremos entender de onde vem e sob quais condições age.
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*O dia 6 de janeiro é conhecido e celebrado como a data da chegada dos Reis Magos e da oferta de seus presentes ao Menino Jesus. Em muitos países ibero-americanos, esse dia é aguardado ansiosamente pelas crianças, pois é o dia de receber os presentes de Natal.
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