Garotos internos de dezoito unidades da FEBEM na grande São Paulo são desafiados a encarar uma mudança radical de vida baseada no senhorio de Jesus Cristo
Contamos a nossos filhos a história de Daniel, o jovem que, com intrepidez, passou uma noite na cova dos leões, que, muito embora famintos, não ousaram devorar o servo do Senhor! Contamos também em nossas escolas dominicais como Ananias, Misael e Azarias foram jogados em uma fornalha ardente, na qual depois foram vistas quatro, e não três pessoas conversando! Mas é complicado contar como homens e mulheres de Deus entram pelas muralhas da FEBEM e, em meio a rebeliões, são protegidos e sobrevivem ilesos! Talvez a nossa reserva seja puro instinto de sobrevivência. Temos alergia ao perigo e encontramos na Bíblia vários provérbios que nos ensinam a prudência.
Questionada sobre como vê a questão do perigo, Ana Paula da Cruz Costa, 26 anos, voluntária há 3 anos e hoje educadora missionária do JEAME, responde de forma simples: “Eu não vejo, sei que está lá, mas não vejo”. Ela conta que já passou por várias situações de rebelião enquanto fazia visitas aos internos da FEBEM (não é necessário muita imaginação para entender que a tensão e o perigo de vida são quase palpáveis nestas circunstâncias) e que sentiu paz e a presença do Espírito Santo ali com o grupo. Ela conclui: “O verdadeiro amor lança fora todo o medo. Quando Jesus nos ama, é muito egoísmo guardar este amor só para nós!”
Há 19 anos, o JEAME vem atuando com as unidades da FEBEM da grande São Paulo e hoje tem entre seus frutos homens recuperados ocupando vários espaços na sociedade, como empresários, técnicos, profissionais liberais e educadores. Atualmente trabalha com dezoito unidades daquela instituição localizadas na grande São Paulo, que compreendem uma população de 2 mil adolescentes e jovens internos (apenas uma unidade é destinada a meninas). Cerca de 650 destes internos participam voluntariamente dos cultos e palestras promovidos semanalmente pelas equipes do JEAME, as quais são lideradas por três funcionários de tempo integral e mais ou menos 35 voluntários.
De acordo com Ailton José Fonseca, gerente administrador e missionário, os cultos e palestras visam “despertar o garoto para uma realidade totalmente diferente daquela com a qual está acostumado”. Durante os encontros, o Conjunto Novo Caminho, formado por homens egressos da própria FEBEM, produz música contextualizada que atrai o pessoal, enquanto as equipes procuram criar um ambiente de aconselhamento e desabafo.
O JEAME visa encaminhar o adolescente interno de volta à sociedade por meio de um processo de socialização específico, que inclui a capacitação para o trabalho, a cura interior e a reconciliação com a família ou a formação de novos laços de parentesco e amizade. Isso é feito mediante um acompanhamento, caso por caso.
Para assistir ao adolescente durante a fase de transição entre a FEBEM e a sociedade, o JEAME criou uma casa de recuperação em Jequetibá. O objetivo era acompanhar mais de perto o egresso da FEBEM cujo comportamento enquanto interno fosse bom e cujo interesse em mudar de vida fosse evidente. Mas a organização esbarrou num empecilho: a municipalização dos conselhos tutelares e juizados promulgada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O juiz da comarca de Jequetibá não quer permitir que os adolescentes egressos das unidades da FEBEM sejam relocados para lá porque passariamà responsabilidade daquele juizado local. Daí o impasse. As instalações estão prontas e há muitos candidatos, mas somente três adolescentes estão sendo beneficiados.
O JEAME realiza também um trabalho de resgate dos adolescentes traficantes ou usuários de drogas freqüentadores da chamada Cracolândia. Quatro missionários de tempo integral visitam os pontos de encontro da Cracolândia na Praça da Sé, Vale do Anhangabaú, Santa Efigênia, Largo do Arouxe, Santa Cecília e Praça da República. Eles iniciam uma “paquera pedagógica”, uma conquista paulatina da confiança do adolescente.
O próximo passo é a Escola Papo de Responsa. Todas as quintas-feiras, os missionários que em dois outros dias fazem suas “rondas” pelos pontos de encontro ficam à espera de adolescentes num ponto fixo na rua Goianazes, 204. Cerca de dez garotos passam pela Escola Papo de Responsa por semana. Cada candidato a largar a vida das ruas precisa voltar quatro vezes e conversar cada dia com um missionário diferente. Na quarta visita ele é encaminhado ou para uma casa de recuperação, ou para um processo de reconciliação com a família. Mas por que quatro visitas? A experiência indica que é preciso esperar, porque não adianta tirar o adolescente da rua quando o motivo é uma crise com a polícia ou algum conflito do qual ele precisa fugir.
Lições Aprendidas
- O trabalho do JEAME ao longo dos anos demonstra que é possível trabalhar em parceria com os órgãos públicos, mesmo que essa parceria seja informal. São várias as instâncias em que o JEAME precisou se articular junto às autoridades da FEBEM, bem como junto ao sistema judiciário, em busca de melhores condições de atendimento a adolescentes marginalizados.
- O JEAME precisou restringir-se quanto ao seu público alvo. Foi necessário se “especializar” para desenvolver um bom trabalho com meninos de rua e adolescentes internos na FEBEM.
- O JEAME entende também que é necessário estar adaptando as estratégias de atendimento ao ECA. A estrutura montada esbarrou justamente nos critérios de municipalização preconizados pelo ECA. Como no Brasil as leis e os caminhos institucionais mudam muito, nestas decisões astúcia e sabedoria são imprescindíveis.