O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Alguns países optaram por usar o mês de setembro todo para conscientização deste problema que vem crescendo no Brasil. É o Setembro Amarelo.
São registrados mais de 13 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 01 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. ¹
Abaixo J. André traz seu depoimento para ajudar quem luta contra tendências suicidas.
Cresci assim:
Achando que eu precisava deixar todo mundo feliz. Que se todos nós não conseguíssemos ser felizes, era minha culpa. E algo precisava mudar em mim. Às vezes achava que eu precisava ser menos emotivo, menos dançarino da imaginação e mais pé no chão. Menos romântico, e mais “homem.”
Mas não conseguia.
Eu pensava que se eu agisse da forma certa. Tudo se alinharia, e o mundo andaria em harmonia. Eu não percebia o quanto isso colocava o peso do mundo e mais um pouco,sobre as minhas costas. O fracasso nesse caso, era inevitável.
Quando alguém se entristecia ou se irritava, eu achava que era minha culpa. Eu tentava de tudo para melhorar a situação. Nem sempre conseguia, talvez quase nunca. E aí, eu me sentia pior ainda. Até mesmo com Deus, eu sentia que era minha responsabilidade deixá-lo feliz e morria de medo que ele se irritasse comigo: não entendia que Ele era maior que os meus erros.
Comecei a fingir que nada mais era comigo. Desliguei o botão “eu me interesso, me importo” porque se ela se entristece, eu me perdia. O peso, sofrimento, dor, era tão frequente, que eu comecei a fingir que eu não existia. Comecei a desligar minhas emoções e sentimentos.
Elas se acumulavam, e eu as ignorava. Até que elas vinham com tudo, como um tsunami que me paralisava tamanha era a intensidade nestes momentos. A alegria de ver um amigo era engolida pela insegurança que foi inserida em todos os meus relacionamentos. O prazer de subir numa árvore e ver o mundo lá de cima, desaparecia dentro da minha incapacidade de ser amigo de todos. Meu encanto no desenho era ofuscado pelo sofrimento que existia no mundo.
Eu procurava prazeres rasos e rápidos, para tentar passar o tempo e não ouvir o que a mente pensava ou sentia. Fiquei viciado em pornografia, em jogos online, e em mídia social. Passava horas na frente do computador tentando ignorar o desespero, o tédio, a falta de vontade pra qualquer coisa.
Eu esqueci que eu era um corpo.
Às vezes eu ainda achava que o pôr-do-sol era bonito, mas isto não me dava esperança de que poderia melhorar o mundo. Sentia vergonha de tudo. Os vícios não me ajudavam a querer me erguer novamente. Eram rasos, vazios, sem muita vida, e efêmeros, ocupando alguns momentos do dia.
Eu sentia vergonha de todas as formas em que eu achava que estava fracassando (eu não estava fracassando). Então, eu fazia o mínimo necessário para sobreviver. Dormia quando podia e onde estivesse. Me sentia cansado de tudo e de qualquer coisa. Se me dessem a chance de controlar o tempo eu faria com que ele passasse tão rápido que eu não existiria mais.
Nos piores dias e momentos, a única saída que eu achava que tinha era tirar minha própria vida. Não cheguei a planejar, mas a morte me parecia um jeito de escapar disso tudo. De parar de sentir a dor, o peso, a vergonha, que martelavam em mim. Mesmo não planejando, existia uma verdadeira vontade de ir em direção à morte.
Não é só eu que experimentei isso. As experiências são diversas, e cada um tem a sua história, mas no Brasil o suicídio é a segunda maior causa de mortes para jovens entre as idades de 15 a 29 anos, e os números indicam que as tentativas de suicídio aumentaram no Brasil nos últimos anos, de forma desproporcional ao crescimento da população.²
Eventualmente, comecei a melhorar.
Foram vários fatores. Muito do processo foi aprender a pedir ajuda. Ainda estou aprendendo a pedir ajuda. Comecei a receber ajuda de amigos de confiança. De meus pais, que, conforme iam aprendendo mais sobre o que eu passava, mais se esforçaram para demonstrar seu amor sem me envergonhar, ou me fazer sentir inútil ou incapaz. Fui atrás de Deus também, que ia me mostrando que sempre esteve lá. Tanto nos momentos bons, quanto nos momentos mais difíceis. Ele conseguia lidar com tudo isso, eu não precisava ter medo.
Comecei a ir ao psicólogo.
Aprendi a ver meus pensamentos e emoções como diferentes de mim. Eles não me definem, mesmo que ainda possam influenciar como estou me sentindo num dado momento. Comecei a pesquisar por conta própria sobre atenção plena (mindfulness) e meditação.
Quando fui para a faculdade, já estava munido de informação o suficiente para saber que eu ainda precisava de ajuda. Nesse período, eu fiz oficinas de atenção plena (mindfulness), frequentava o psicólogo conforme dava. Conversava mais abertamente e honestamente sobre o meu estado emocional e procurava ajuda mais rápido.
Eu tive melhoras, e também recaídas. Fui estudando minha experiência em cada uma das recaídas (ainda sigo aprendendo e estudando). Mas consegui ver um pouco mais a luz.
Havia dias de felicidade, e não só meros momentos. Havia um pouco de esperança, a esperança de que a vida poderia ser melhor.
Fui mudando meus hábitos. Melhorando o exercício físico. Práticas de sono. Participação em grupos sociais. Me conectei mais com o meu corpo, e aprendi a valorizá-lo mais. Aprendendo a ouvi-lo e respeitá-lo. Nada perfeito. Mas melhor do que antes.
E então foi num dia assim, normal, com nuvens ou sem, que entendi: ser é o bastante. É suficiente. Nada mais é preciso. Foi como se Deus olhasse pra mim e dissesse “Que bom que você existe!” Não posso tomar conta do mundo. E não preciso. Não preciso ser tudo para todos. Posso só ser, o que sou aqui neste momento. Tenho aprendido a viver então dentro dessa ideia. Porque frequentemente esqueço.
Quero ser mais do que sou. Quero ser mais, para os outros e para todos. Sem tomar conta de mim mesmo. Então eu danço com meus pensamentos. Crio lembretes que me digam: “Ser é o bastante.”
Porque esqueço, e não é problema esquecer. Só é bom ter como lembrar. Essa jornada toda me fez aceitar uma ajudinha dos remédios. Eu sentia vergonha de talvez ter essa ajuda. Mas tenho visto que receber ajuda não significa ser fraco. O remédio me dá um empurrãozinho, que me ajuda a me ater a ideias mais saudáveis. Que preservam a vida em mim, ao invés de tentar destruí-la.
Com o remédio é mais fácil para mim procurar ajuda. Fica mais fácil entender os meus limites, os limites do meu corpo. Fica mais fácil dizer que não preciso mudar o mundo, porque o mundo é muito maior do que eu.
Tento o meu melhor, e tenho aprendido que isso é o suficiente. Acordo cada dia do jeito que estou, e faço o que posso, o que está ao meu alcance. Às vezes mais, às vezes menos.
Às vezes nada. Às vezes só existo. Por que existir, é o suficiente. Ser é o bastante.
E não é todo dia que lembro disso, mas com a ajuda de familiares, amigos, Deus, e trabalhadores do campo da saúde mental sigo trazendo isso de volta à memória.
Se você precisa de ajuda imediata, ligue para 188 ou converse via chat no site www.cvv.org.br/quero-conversar/
- J. André Gilbert é artista e ilustrador. Seu trabalho foca no encontro da atenção plena com práticas criativas na pintura, desenho, fotografia, cerâmica, e na performance entre outros. Cresceu em Viçosa, MG, formado em artes pela Calvin University. Hoje trabalha com o Jardim do Sol Nascente.
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Obrigada por compartilhar…ha muito de todos nós nestas palavras..me vi em algums momentos… celebro que ser é o bastante e o melhor de tudo: isso basta p Deus…entao p.mim tbem
Louvado seja a Deus! Nele podemos ser quem Ele nos criou para ser. Obrigada pelo comentário Tânia, Deus abençoe!