Aos 20 anos de idade, Geraldo finalmente revelou o seu sonho. É um sonho relativamente simples — um lote de 300 metros quadrados com duas moradas, uma para sua mãe e outra para ele mesmo. É um sonho pouco ambicioso! Ele não pensa em constituir família? E que tal estudar mais para conseguir uma boa colocação profissional? Talvez Geraldo tenha todos estes sonhos também. Mas o sonho que ele tem coragem de assumir publicamente revela que ele acredita que pode conquistá-lo e mostra o grande crescimento emocional e revolução interna que vêm acontecendo em sua vida. Para o pessoal que dirige a casa-lar Escola Esperança, numa cidadezinha do sul de Minas Gerais, onde Geraldo vive hoje, este sonho demonstra que a noite escura que caiu sobre a alma de Geraldo doze anos atrás está finalmente dando lugar à alvorada.
A noite escura O pai de Geraldo, dado ao abuso do álcool, já havia atacado violentamente sua esposa muitas vezes. Com um ciúme doentio, proibia que ela saísse de casa e que tivesse contato com vizinhos ou amigos. Por muitos anos, dona Irinéia tolerou o abuso e a violência em sua casinha de fazenda, tendo três filhos para lhe fazer companhia: Geraldo, o mais velho, Ana e Pedro. Alguns dizem que a gota d’água foi uma tentativa de o marido de dona Irinéia molestar sua própria filha. Outros dizem que ele prometera várias vezes matar tanto ela quanto as crianças caso ela o abandonasse. O fato é que uma noite, enquanto seu marido dormia embriagado, dona Irinéia reuniu força suficiente para matá-lo com um pesado pedaço de madeira. Um menino de 8 anos viu tudo. Este menino é Geraldo. Para ele, a partir daquele momento, a noite tornou-se muito escura. As crianças foram deixadas em um abrigo enquanto a mãe aguardava julgamento na prisão. Duas famílias tomaram para si as crianças menores. Para Geraldo, não houve outra solução senão a FEBEM. E lá a sua alma simplesmente congelou: ele parou de falar e seus lábios deixaram de sorrir. Os relatórios sobre Geraldo indicam que ele simplesmente parou de se comunicar depois da tragédia. Talvez sentisse alguma responsabilidade pelo que tinha acontecido? Se isto for verdade, que peso incrível para um menino de 8 anos carregar! Seu corpo também desligou. Duas vezes ele chegou bem perto da morte, com pneumonia. A única coisa que motivava o menino era visitar sua mãe, que fôra cumprir pena num manicômio judicial, próximo à unidade da FEBEM em que Geraldo fora internado. Por alguma razão, dona Irinéia conseguiu manter um vínculo afetivo muito forte com seu filho mais velho. (Com os outros dois filhos, este vínculo se rompeu…)
As primeiras horas do dia Na FEBEM, Geraldo passava a maior parte do tempo doente. Ele simplesmente se recusava a conversar. Não conseguiu concluir nem a 4a série do Ensino Fundamental. Quanto à formação para o trabalho, ele só conseguia obedecer ordens claras e bem específicas. Quando completou 18 anos, Geraldo foi dispensado da FEBEM. Mais uma vez, não tinha para onde ir. Foi então que a Escola Esperança resolveu aceitá-lo, embora ele estivesse acima da média de idade para ser admitido na instituição. Davi, um missionário, o recebeu em seu próprio quarto e passou a dedicar-lhe o amor de Deus, que faz “ossos ressequidos voltarem à vida”. E daí, se ele insistia em não falar? Mas ainda assim ele podia ser amado! Davi tratou Geraldo com carinho e camaradagem. José e Elza deram-lhe atenção, respeito e até mesmo um trabalho digno. Assim, raios de sol começaram a penetrar na alma de Geraldo. Hoje, Geraldo tem um sorriso muito bonito, ainda que acanhado. Envolve-se em conversas com facilidade, sabe realizar um sem número de tarefas relacionadas com a vida na fazenda e está se saindo bem na escola noturna. Geraldo conseguiu restabelecer contato com seus irmãos Pedro, de 15 anos, e Ana, de 17. Ele até organizou um reencontro de toda a família, incluindo sua mãe, ali mesmo na fazenda. Dona Irinéia já cumpriu sua pena e hoje está de volta à sua cidade. Talvez o primeiro sonho de Geraldo não esteja tão longe de ser realizado. E o melhor é que, para Geraldo, o dia está apenas começando…
Os nomes das pessoas e dos lugares são fictícios.