Para preencher a lacuna entre as interpretações psicológicas e sociológicas do abuso sexual, Finkelhor (1984) propôs um modelo multifatorial que tem poder explicativo em ambos os níveis. Ao revisar todos os fatores causais que pesquisadores e clínicos isolaram como contribuintes para o abuso sexual, Finkelhor desenvolveu um modelo hierárquico que incluía fatores individuais relacionados à vítima, ao agressor e à família, bem como a fatores sociais e culturais. Ele fornece uma estrutura adaptável e flexível que pode acomodar novas pesquisas para melhorar nossa compreensão do motivo pelo qual o abuso sexual ocorre. O modelo é responsável pelo abuso sexual intra e extra familiar. Essa perspectiva coloca claramente a responsabilidade no agressor. O modelo de Finkelhor tem mais poder explicativo do que outras abordagens, na medida em que incorpora fatores psicológicos, tais como:
• a motivação do agressor,
• a existência de inibidores internos,
• a força do ego da criança.
bem como fatores sociológicos, tais como:
• socialização masculina
• pornografia,
• tolerância social na erotização das crianças,
• relações de poder desiguais entre homens e mulheres,
• e as prerrogativas patriarcais de pais e homens.
Este modelo também vê as vítimas em potencial como não necessariamente passivas, mas possuindo o poder de resistir.
Finalmente, o modelo de Finkelhor fornece um aprimoramento vital ao tratamento, pois permite a avaliação e a intervenção nos quatro níveis. Potencializar os pontos fortes ao implementar técnicas de resolução de problemas para amenizar os pontos fracos pode facilitar o abandono do abuso e impedir sua recorrência.
Todos os fatores conhecidos por contribuir para o abuso sexual infantil são agrupados em quatro pré-condições. Essas pré-condições podem ser vistas com obstáculos a serem transpostos pelo abusador para que o abuso ocorra. Esses são:
1: Motivação
O abusador em potencial precisa ter alguma motivação para abusar sexualmente. Finkelhor argumenta que existem três componentes fundamentais inclusos na motivação para abusar sexualmente uma criança.
Adaptação emocional em que o contato sexual com uma criança satisfaz necessidades emocionais profundas.
Excitação sexual em que a criança representa a fonte de gratificação sexual para o agressor, e
Bloqueio quando fontes alternativas de gratificação sexual não estão disponíveis ou são menos satisfatórias.
Esses componentes não são pré-condições reais e nem todos os três precisam estar presentes para que ocorra abuso sexual. Os três componentes explicam tanto as ocorrências de abuso nos quais o abusador é pedófilo e está sexualmente motivado como também do agressor cuja motivação advém do prazer de ver suas vítimas sofrerem sob o seu poder, de forma aviltante.
2: Obstáculos Inibidores Internos
O abusador em potencial tem de ultrapassar o obstáculo das suas próprias inibições internas que podem agir contra sua motivação para abusar sexualmente. Não importa quão forte o interesse sexual em crianças possa ser, se o agressor for inibido por tabus, então ele não irá abusar. Indiscutivelmente, a maioria das pessoas tem algumas inibições contra o abuso sexual de crianças. A desinibição não é dá origem à motivação, apenas a libera. Essa segunda pré-condição visa isolar os fatores que explicam como as inibições são superadas.
Embora as condições prévias 1 e 2 respondam pelo comportamento dos abusadores, as pré-condições 3 e 4 consideram o ambiente fora do agressor e da criança que explicam se o abuso ocorrerá e quem será a vítima selecionada.
3: Obstáculos Inibidores Externos
O agressor em potencial deve superar obstáculos externos inibidores antes do abuso sexual. Os inibidores externos que podem restringir a ação do agressor incluem a constelação familiar, vizinhos, pares e sanções sociais, bem como o nível de supervisão que uma criança recebe. Embora uma criança não possa ser supervisionada 24 horas por dia, a falta de supervisão foi considerada um fator contribuinte para o abuso sexual, já que a criança mal monitorada apresenta proximidade física e oportunidade. Os inibidores externos são facilmente superados se o agressor em potencial for deixado sozinho com uma criança não supervisionada.
4: Resistência
Finalmente, o abusador em potencial tem de superar a barreira da resistência da criança a ser abusada sexualmente. Essa capacidade de resistir pode acontecer de maneira muito sutil e não envolve necessariamente manifestações abertas. Os abusadores podem sentir quais crianças são bons alvos potenciais, quem pode ser intimidado ou coagido para manter um segredo ou ser manipulado de alguma forma. Os abusadores relatam que podem, quase instintivamente, escolher uma criança vulnerável em quem focar suas atenções sexuais, ignorando aqueles que poderiam resistir. Frequentemente, essas crianças podem até não saber que estão sendo abordadas sexualmente e têm pouca ou nenhuma capacidade de resistir. Alguns dos fatores de risco que inibem a capacidade de resistir incluem insegurança emocional e privações, entre outros.
Uma compreensão dos fatores que tornam as crianças mais vulneráveis ao abuso é essencial na formulação de programas de prevenção. Isolar comportamentos que constituem um risco, enfatizando aqueles que aumentam a resistência ou a fuga, podem capacitar as crianças a se protegerem. Isso não quer dizer que crianças que não apresentam estes fatores de vulnerabilidade não sejam abusadas. Muitas crianças podem ser forçadas ou coagidas, apesar de exibirem comportamentos de resistência e fuga. Alguns casos de abuso são o resultado de força, ameaça ou violência e não importa quanta resistência a criança exiba, isso não impedirá o abuso. A pré-condição 4 tem três resultados possíveis:
1) A criança pode resistir dizendo abertamente “Não!” e fugindo, ou exibindo de forma mais sutil uma maneira confiante e assertiva que transmite fortes mensagens ao abusador para não tentar por medo de ser detectado ou exposto.
2) A criança pode resistir, mas ainda ser abusada por força ou violência.
3) Uma criança pode resistir, mas ser subjugada através da coerção.
Estas quatro pré-condições para o abuso sexual entram em cena numa sequência lógica. O agressor deve primeiramente ter motivação e ser capaz de superar quaisquer inibições internas. Se ele ultrapassar estas barreiras, o potencial abusador precisará ultrapassar os inibidores externos e, finalmente, a resistência da criança.
Limitações
A principal limitação do modelo é que ele é essencialmente uma estrutura descritiva que incorpora uma série de teorias dissonantes e dados clínicos observados. Como tal, não pode ser vista como uma teoria até que seja testada empiricamente, em particular na sua aplicação ao tratamento e prevenção. No entanto, apresenta-nos um modelo abrangente, multicausal e hierárquico, com poder explicativo psicológico e sociológico para compreender por que e como ocorre o abuso sexual, o que é mais do que se pode dizer de outras abordagens teóricas.
Traduzido por Elsie B. C. Gilbert, a partir de artigo publicado em inglês neste endereço: https://www.secasa.com.au/pages/theories-on-why-sexual-abuse-happens/the-four-pre-conditions-model/
Agradeço muitíssimo o trabalho de tradução e divulgação desse artigo.
Precisamos mobilizar e conscientizar a sociedade sobre o quão vulneráveis estão as crianças ao abuso sexual e o quanto precisamos denunciar que o abuso sexual é crime e pecado!
Aumentar o nível de consciência é imprescindível!
Proteger é pra ontem!