Por Valéria Regina de Oliveira Ybars
“- Pode chamar!!! Minha mãe não vai vir mesmo!!!”
Esta era a frase que geralmente eu escutava de Pedro, enquanto ele dava de ombros e fazia uma cara de raiva misturada com aparente tristeza, cada vez que, por alguma infração das regras de convivência, ele tinha que vir para a secretaria do projeto para uma conversa séria.
“- Pode chamar!!! Minha mãe não vai vir mesmo!!!”
Conforme se repetia essa atitude, fui percebendo que aquele garoto, assim como muitos outros da mesma idade, e na condição de irmão do meio de uma família de 8 pessoas, se sentia sem importância nenhuma, sem motivação, sem sonhos, sem desafios para atingir. Isso porque não tinha ninguém torcendo por ele, ou melhor, a pessoa que ele queria ter ao seu lado há muito tempo tinha deixado de demonstrar que o amava e que se importava. Abraço, colo, beijos… ele já tinha perdido a noção de quanto tempo não recebia um carinho de sua mãe; ora porque ela estava ocupada cuidando dos irmãos menores; ora porque estava preocupada em “livrar a pele” de outro irmão que estava envolvido com drogas; em outros momentos porque tinha que cuidar dos netos de suas filhas maiores.
Assim Pedro ia sobrevivendo como podia. Era obrigado a não faltar a aula por causa do bolsa família e se, por um acaso, faltasse e sua mãe tomasse conhecimento o “pau” comia para valer sem antes mesmo ele explicar qualquer coisa. Os irmãos do meio também o espancavam e com a mesma violência da mãe, se não pior. Eles o agrediam com cabo de vassoura, utensílios de cozinha, qualquer coisa que estivesse ao alcance das mãos. Não precisava de um motivo para as brigas.
Nas festas de família tudo começava muito bem, mas depois de alguns engradados de cerveja, tudo sempre acabava em confusão com quebra quebra e bateção de boca. Palavrões e ofensas era o que não faltava.
Como equipe social, não podíamos contar com a mãe e víamos aquele garoto adquirindo valores negativos para sobreviver.
Em uma manhã, enquanto conversávamos, sinalizamos que iríamos chamar a sua mãe e, mais uma vez, essa sentença não teve valor algum.
O garoto dava de ombros e dizia: -tô nem aí! Como se ninguém se importasse com ele e como se não tivesse nada mais a perder na vida ou ganhar com apenas 12 anos.
Foi então que mudei o rumo de nossa conversa. Olhei nos olhos dele e disse:
– Pedro, você é responsável por escolher quem você vai ser quando crescer!!
– É você que toma as decisões da sua vida! Só que você não vai fazer isso quando crescer, as escolhas se faz hoje.
Vamos pensar juntos:
– O que as pessoas pensam de você?
Surpreso respondeu: – não sei Tia!
– Será que elas pensam que você é um menino do bem, confiável e que tem tudo para vencer?
– Ou será que elas já sabem que você seguirá o mesmo caminho de suas irmãs e irmãos que fazer más escolhas, depois se estressam e ficam com raiva porque nada dá certo na vida deles?
– Você não precisa ser uma “maria vai com as outras”, você não é obrigado a seguir os exemplos errados. Você tem tempo de escrever a sua própria história com final feliz, mas isso só você pode fazer por você. Não é sua mãe, porque ela não pode vir aqui. Não são seus amigos porque na hora que você se der mal, eles não vão querer te defender. É você e só você que pode tomar decisões que vão te fazer bem ou não!
Só o jeito que ele me olhou naquele dia, percebi que algumas daquelas palavras faladas amigavelmente e com carinho tinham feito algum sentido para ele.
Daquele momento em diante, esse garoto tão jovem, membro de uma grande família, mas que na verdade se sentia sozinho, passou a escolher o melhor. Nunca mais levou uma advertência, faz questão de fugir de confusões e, um ano depois, pronunciou as palavras que foram músicas para meus ouvidos:
– Aí Tia, consegue um jovem aprendiz pra mim?
Por alguns instantes um filme passou em minha mente. Lembrei de um menino agressivo, que não gostava de abraço e nem beijo, que não sabia receber elogio, que queria resolver tudo na “pancadaria”, que era de mal com a vida… Agora o via transformado em um adolescente educado, controlado, cheio de sonhos, que abraça, que beija, que brinca, que sorri. E quando quer alguma coisa de alguma tia, faz manhã e elogios. Aprendeu a ouvir e a falar a linguagem do amor. Acredito que percebeu que a vida também pode ser bonita.
Entender que ele podia ter autonomia significou SACIAR a SUA SEDE DE simplesmente EXISTIR, SER ALGUÉM…
Resgatamos a história vencedora do Prêmio Cida Mattar 2017, da Valéria e toda a sua equipe da APROSES – Centro Socioeducativo Lar do Méier (Exército de Salvação). Recebemos histórias lindas e abençoadoras. Agora, esperamos a sua! O tema desse ano é: Coragem da alma – a virtude dos resilientes. Participe!
O Prêmio Cida Mattar é a nossa forma de dizer: “Continue firme, estamos com você nesta luta”! Baixe o regulamento e faça sua inscrição!